domingo, 8 de abril de 2012

Cena de Páscoa

Cenário: Santo Sepulcro, 33. d.C., manhã de domingo de Páscoa.
Personagens: Arcanjo Gabriel, Arcanjo Miguel e Jesus.

Escuro total. A pesada pedra redonda que serve de porta do sepulcro é rolada lentamente por Gabriel e Miguel, o que inunda de luz o cenário. Nele, vemos a tumba fechada.

MIGUEL: (recostando-se na pedra redonda, após terminarem de rolá-la) Putz, que dia é hoje?

GABRIEL: Domingo.

MIGUEL: Ainda bem que o Shabat foi ontem... Porque descansar carregando pedra, vou te contar... hein? Hein? Hein?

GABRIEL (fazendo um muxoxo): Você já foi melhor com piada.

MIGUEL: Ah, vá. Quando eu fiz aquele stand-up anteontem falando que o Lúcifer era o anjo caído porque caía em tudo que era pegadinha, você riu que foi uma beleza.

GABRIEL: Eu não ri, eu fiz ha-ha-ha. Você não percebe ironia?

MIGUEL: Você é que não percebe sarcasmo.

GABRIEL: Escuta, vamos ao que interessa... traz o aparelho?

Miguel sai murmurando “mnhemerelho, menhenmerelho”, vai brevemente até lá fora e volta com um aparelho portátil de ressuscitação.

GABRIEL: Agora retira a pedra de cima da tumba. E sem piada manjada, dessa vez.

MIGUEL: (contrariado, equanto retira a pedra) Interessante, isso. Você foi o eleito pra dar a notícia à Virgem, quando ela ficou grávida. Agora, você foi escolhido pra comandar a ressuscitação. E eu aqui, só carregando peso?

GABRIEL: (impaciente) Ah, o fato de você ter aberto o Mar Negro quando o Moisés estava fugindo do Faraó não deve ter influenciado em nada, né? O coitado, lá, afobado, jurando que o Mar Vermelho ia se abrir, passando a maior vergonha na frente dos hebreus, e você...

MIGUEL: E eu tenho culpa de ser daltônico?

GABRIEL: (estendendo a mão, dando a entender que quer encerrar o assunto) Desfibrilador.

MIGUEL: (resmungando) mnhembrilador, mnhembrilador... Pronto, tá aqui.

Gabriel pega os eletrodos, esfrega um no outro e os coloca sobre o peito do cadáver dentro da tumba.

GABRIEL: Carga!

Miguel aperta um botão no aparelho portátil. Expectativa.

GABRIEL: (observando que o cadáver nem se mexeu) Ué... Acho que capricharam na crucificação... (volta a esfregar os eletrodos um no outro) Carga de novo!

MIGUEL: Você tem certeza de que hoje é domingo?

GABRIEL: (perdendo de vez a paciência) Escuta, se eu quisesse ter certeza disso, trazia um calendário, ao invés de você – inclusive um calendário ia ter piadas melhores! Agora faz o que eu mandei: carga!

MIGUEL (resmungando): mnhenarga, mnhenarga...(aperta novamente o botão).

GABRIEL: (depois de constatar que o cadáver continua imóvel) Caramba... O que os romanos são ruins em clothing style eles são bons em crucificação... Fizeram o serviço completo...

De repente, de um canto escuro do sepulcro onde ninguém estava reparando, salta Jesus, rindo.

Jesus: Tcharaaan! Surpresaaaaa! Eu já ressusciteeeei! Esse aí era um dos ladrões que estavam do meu lado, que eu coloquei aí só pra...

Gabriel e Miguel levam um susto, morrem do coração e caem os dois na tumba.

Jesus: Er.. oi? (pega o pulso de Gabriel, observa, depois faz o mesmo com Miguel. Então olha o quadro geral – os três cadáveres na tumba – e se põe a roer as unhas) Ih, agora é que o Velho me crucifica de novo...

Pausa. Jesus vê então o aparelho de ressuscitação, pega os eletrodos do desfibrilador e fica olhando, confuso, dando a entender que sozinho não vai poder fazer nada com aquilo. De repente ele ouve barulho lá fora, vai até a porta do sepulcro, parece ver alguém e se entusiasma.

Jesus: Madalena! Você não morre mais! Tava pensando em você! Ei, que cara é essa, parece que viu um fantasma? Vem cá, você pode me ajudar aqui com...

FIM