Foi aí que o polegar opositor gritou:
– Chega, sou contra!
Os demais, anestesiados pela rotina de cutucar, apontar,
teclar, essas coisas, acordaram. O indicador bocejou e:
– Contra o quê, polly?
O polegar já ia unhando o indicador quando o anular, que se
pautava pelo comprometimento, dessa vez apartou (o polegar ainda resumungou:
"Polly é o caralho!", no que o dedo médio, ainda com sono, deixou
escapar: "É comigo?") e perguntou, abafando o riso:
– A que você se opõe, poll...legar?
O opositor, vendo que
quando mais se exaltava mais fazia sinal de positivo, finalmente aquietou-se e
deixou sua impressão:
– Sou contra estarmos numa fábula!
O dedo mínimo, que precisava de no máximo três falas, deixou
a primeira:
– Estamos numa fábula?
– Claro! – berrou o opositor. – Acordem! ("Já estamos
acordados”, ensaiaram murmurar os demais, mas então notaram que a unha do
opositor não era cortada fazia duas semanas) Não percebem? Eu, o opositor, vou
ser aqui, aliás já estou sendo!, o ícone da indignação. O mentor subversivo que
quando chega ao poder acaba se enrolando no cabelo das juntas. Já o indicador,
com seu senso de humor descompromissado, é o que aponta o ridículo de nossa
situação, dando apelidinhos pra todos (no que o indicador, ereto, soltou um
gritinho: "Já tenho o meu próprio! J’accuse!", mas aí o mínimo
perguntou se aquilo não era nome de banheira de hidromassagem). O dedo médio simboliza
a descompostura da imaturidade, a leviana irresponsabilidade gestual, a
impertinência juvenil ("Juvenil o caralho", reclamou o médio,
"eu sou o maior de todos, porra!"), ele sou eu desprovido de
consciência política! Já o anular, todo conciliatório, exemplifica o
contraponto pra nossos perfis provocativos, e vai fechar a fábula expressando a
moral da história. E o dedo mínimo é nosso óbvio restolho evolutivo, a ancestral
lembrança de que ninguém é perfeito, a ilustração de nossa origem proletária,
ao erguer-se na hora de segurar a xícara! Pronto: não perceberam? Estamos sendo
usados numa fábula social das mais cretinas!
O mínimo, que não se magoou por não ter superego, mandou sua
terceira e última fala:
– É tipo Esopo?
– Não – disse o opositor. – Esopo mexia com bicho.
– Então estamos criando um movimento contra isso, a
molestação de animais? – perguntou, sarcástico, o indicador.
– Estamos criando um movimento pela exclusão digital! –
proclamou o opositor. – Nos excluam de parábolas! Vão procurar metáforas em
outra freguesia! Vão incomodar o sistema digestivo, muito mais rico em simbologia!
– E como vamos bancar isso? – perguntaram o médio e o
indicador, evitando olhar o anular.
– Com os anéis, que são o símbolo da impermanência material
e que só servem para financiar a revolução
– Disse o polegar, já se empertigando todo de novo. – Vão-se os anéis,
ficam os dedos!
– No mínimo! – gritou alegre o mínimo, já abusando de sua
cota de falas.
O que aconteceu foi que após uma discussão para aparar as
últimas arestas com um cortador de unha todos combinaram de se dar os dedos e não
escrever este post. Quer dizer – combinar, combinaram, né.
(Ei, esse lance de que o levante furou porque havia um
traidor no grupo é conclusão sua, leitor. Tem dedo meu nisso não)